quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

A Escola e Suas Possibilidades

A escola guarda em si os pactos e tensões que se dão na sociedade em que se engendra. É um campo em que se manifestam forças de manutenção/conservação e de mudança. Muito se tem questionado a instituição escolar pela sua tendência ao conservadorismo, pela negação das vozes que buscam uma educação criativa e libertadora.
A concepção mecânica é a que ainda prevalece nos atos de ensino-aprendizagem e os artefatos midiáticos, quando são usados, funcionam como acessórios ou complementares, externos ao próprio processo de aprendizagem. Neste panorama, a inclusão da mídia-educação só seria eficaz para os movimentos de mudanças se considerasse os diferentes atores que circulam e constroem a instituição.
É necessário reconhecer a comunicação que se dá (ou não) entre alunos, professores, coordenadores, diretores, porteiros, secretárias e merendeiras (entre outros) e como cada um entende a educação escolar formal e a sua participação neste processo. Trazer a tona, olhar com atenção este caldeirão cultural, o que cada um valoriza e despreza, valores estes construídos em suas histórias pessoais, familiares, territoriais, e também delineados pela sua experiência com a mídia – o quê e como vêem TV, ouvem rádio, lêem jornais, revistas livros, usam o computador... Reveladas as nuances das concepções sobre o que é educar e qual o papel da escola, pode-se construir uma base compartilhada, mesmo que provisória e mutante. E resgatar, fazer circular, os papéis de quem ensina e quem aprende, trazendo para o centro da cena também quem tradicionalmente está marginalizado neste processo e que não se vê como “ensinante” e “aprendente” (aprendiz).
Projetos que incluem mídia-educação precisam considerar esta base compartilhada, construída com a participação de todos, e selecionar os recursos que podem contribuir para que os objetivos educacionais sejam alcançados. Além de atuarem como receptores de mensagens de artefatos midiáticos, é preciso oferecer aos atores oportunidade de exercitarem a função de produtores de artefatos, avançando na compreensão de como se relacionam com eles e iniciem a apreensão de sua linguagem específica.
Por isso, é importante definir, inicialmente, um meio para trabalhar, garantindo a troca de experiências a partir de uma vivência comum. Atividades com produção de vídeos, programas de rádio, elaboração de um jornal ou de um site institucional são bons exemplos de possibilidades de uso da mídia na redefinição compartilhada dos objetivos e procedimentos escolares.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

A tecnologia e as novas gerações

A ligação das crianças e jovens da geração atual com a tecnologia é irrefutável. O senso comum concorda que esta ligação ultrapassa o nível da diversão se transformando em um elemento básico para o desenvolvimento destes como sujeitos sociais, inseridos no meio e interligados a ele e ao restante da sociedade onde vivem.

E quando surgiu essa relação? De acordo com Stuart Hall, a revolução cultural ocorrida a partir do século XX modificou os meios de produção, circulação e trocas de informação a partir da intensificação das tecnologias e da revolução da informação. As gerações que surgiram a partir desta época nasciam familiarizadas com todas as mudanças que ocorriam enquanto as anteriores tentavam se adaptar. Nada muito diferente do que vemos hoje. Naquela época, e fator que se intensificou com o passar das décadas, a grande diferença encontrada a partir de civilizações anteriores era a abrangência dessas modificações e a rapidez com que chegavam até a sociedade. Do primeiro jornal escrito até o surgimento do rádio três séculos se passaram, enquanto em apenas meio século surgia a televisão e em apenas mais um quarto de século os primórdios do que hoje conhecemos como internet. Com a velocidade dos meios de comunicação surgiam novas gerações ainda mais rapidamente adaptadas e “antenadas” com todas as mudanças que ocorriam. Surgiam também indivíduos midiáticos que não conheciam uma vida completamente livre de interações que surgiam o tempo todo de todas as partes.
“A nova mídia eletrônica não apenas possibilita a expansão das relações sociais pelo tempo e espaço como também aprofunda a interconexão global, anulando a distância entre as pessoas e os lugares, lançando-as em um contato intenso e imediato entre si”. (Du Gay 1994).

O que acontece hoje é apenas um reflexo do processo que começou há mais de um século com o surgimento e crescimento da importância social da mídia. De acordo do hall é ela quem “sustenta os circuitos globais de trocas econômicas dos quais depende todo movimento mundial de informação, conhecimento, capital, investimento, produção de bens, comércio de matéria prima e marketing de produto e idéias.” Assim como a TV encantou e atraiu – e continua atraindo gerações - que praticamente entravam em seus programas e novelas desejando se tornar parte daquela fantasia, hoje tecnologias como a internet, em especial, funcionam como um imã e um espaço social onde crianças e jovens conseguem ultrapassar a fase do desejo, efetivamente se projetando e vivendo virtualmente de acordo com suas vontades.

Não existe na grande rede o limite da tela, as historias não se limitam a roteiros pré-escritos, eles podem ser a todo tempo modificados, reescritos, ter mil mãos e vozes. Com isso, a velocidade de integração e mudança se multiplica, as gerações anteriores sentem mais rapidamente a obsolescência de seus meios e, de forma não tão dinâmica, tentam recuperar-se e entender-se em um espaço e tempo que parecem não mais lhes pertencer.

Tatiane Ribeiro



Como se pode construir uma pedagogia multicultural e criativa em que não se reproduzam padrões, estereotipias, exclusões?

Percebemos um conceito muito difundido e aceito: o Brasil é um país plural cultural e etnicamente, que encanta... Mas quando nos referimos à educação vemos que essa diversidade não é levada em consideração... Ideologicamente, somos comprometidos. Na prática, nosso sistema educacional (re)produz desigualdades sociais, raciais, de gênero, sexuais...

As escolas, que deveriam se locais de fortalecimento e de valorização de todas as diversidades, são consideradas pelos nossos alunos como um lugar “chato” onde se deve “aprender e/a reproduzir” conceitos ultrapassados.

Assim, pensar em multiculturalismo, assunto complexo, controverso, principalmente quando o relacionamos à educação e mais especificamente à escola – coloca-nos diante de desafios em relação a percepção da diversidade humana;
• a desconstrução de verdades;
• a integração/interação de saberes;
• a desierarquização das diferenças;
• visões diferenciadas do mundo...

Vivemos em uma sociedade heterogênea, composta por diferentes grupos com diferentes interesses, diferentes classes e diferentes identidades culturais ... E todas essas diferenças em permanente contato, convivência e conflito.

Stuart Hall (2003) identifica pelo menos seis concepções diferentes de multiculturalismo na atualidade:
1. Multiculturalismo conservador: os dominantes buscam assimilar as minorias diferentes às tradições e costumes da maioria;
2. Multiculturalismo liberal: os diferentes devem ser integrados como iguais na sociedade dominante. A cidadania deve ser universal e igualitária, mas no domínio privado os diferentes podem adotar suas práticas culturais específicas;
3. Multiculturalismo pluralista: os diferentes grupos devem viver separadamente, dentro de uma ordem política federativa;
4. Multiculturalismo comercial: a diferença entre os indivíduos e grupos deve ser resolvida nas relações de mercado e no consumo privado, sem que sejam questionadas as desigualdade de poder e riqueza;
5. Multiculturalismo corporativo (público ou privado): a diferença deve ser administrada, de modo a que os interesses culturais e econômicos das minorias subalternas não incomodem os interesses dos dominantes;
6. Multiculturalismo crítico: questiona a origem das diferenças, criticando a exclusão social, a exclusão política, as formas de privilégio e de hierarquia existentes nas sociedades contemporâneas. Apóia os movimentos de resistência e de rebelião dos dominados.

Com o(s) multiculturalismo(s) precisamos reconhecer que existem indivíduos e grupos que são diferentes entre si, mas que possuem direitos universais, comuns, e que a convivência harmônica depende da aceitação da idéia de compormos uma sociedade heterogênea na qual:

a) não poderá ocorrer a exclusão de nenhum elemento ;
b) os conflitos de interesse e de valores deverão ser negociados pacificamente;
c) a diferença deverá ser respeitada.

Resumindo: deve-se tolerar e conviver com aquele que não é como eu sou e não vive como eu vivo, e o seu modo de ser não pode significar que o outro deva ter menos oportunidades, menos atenção e recursos.

Voltemos ao título: Como se pode construir uma pedagogia multicultural e criativa em que não se reproduzam padrões, estereotipias, exclusões com as seguintes informações:

Dados educacionais
• No Brasil, cerca de 21 milhões de pessoas, entre 25 e 64 anos de idade nunca foram à escola (UNESCO/OCDE, 2000)
• Em 1998, dos alunos matriculados na 1ª série, 30% foram reprovados ou abandonaram a escola (INEP/MEC, 1998)
• Existem 15 milhões de analfabetos de 15 anos ou mais, o que representa 13,3%da população nesta faixa etária.
• Das mulheres acima de 40 anos, 32% não são alfabetizadas. Na zona rural, este número sobe para 60% (IBGE/PNAD, 1999)
• 20% - Índice de brasileiros acima dos 50 anos que não sabem ler nem escrever
• Desigualdade regional:
Proporção de analfabetos na população com 50 anos ou mais, por região:
Nordeste 41,3%
Norte 28,7%
Centro-Oeste 21,8%
Sudeste 13,2%
Sul 12,8%
Brasil 21,5%
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2008

A escola tem solução?

“A educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.” Paulo Freire

A educação contemporânea ainda hoje está ligada à idéia cartesiana do indivíduo e de seu aparelho cognitivo, sem considerar o que está à volta dele, sua história, sua cultura. Fala-se no cidadão do século XXI, de um mundo globalizado, mas a escola ainda não está preparada para educar esse cidadão. Veio a globalização, entramos na era da informação/conhecimento e a prática da educação permaneceu praticamente a mesma.
Diversas teorias mostram o surgimento de novos estilos de aprendizagem na nova geração de aprendizes, como, por exemplo, o modelo Honey e Mumford de estilos de aprendizagem, ou ainda, um conceito muito semelhante, a teoria das inteligências múltiplas, do norte-americano, Howard Gardner. No entanto, o sistema educacional ainda não encontrou um caminho eficaz para educar essa nova geração. A pedagogia moderna repete padrões arcaicos com foco no conteúdo e não no aluno e nas suas necessidades, interesses e seu estilo de aprendizagem.
Além disso, a Escola enfrenta outro grande desafio que é a criação de um sistema educacional que forneça os recursos necessários para integrar os grupos diferenciados que se encontram nesse ambiente. Atualmente, o princípio da educação ainda é a universalidade, desconsiderando o multiculturalismo presente na escola e na sociedade como um todo. Em outras palavras, o sistema educacional precisa buscar um modelo que “reconheça o particular enquanto alcance o universal” (Clarke, 196. p.13). Nesse sentido, o melhor caminho seria a educação intercultural. Enquanto a educação multicultural promove somente a “interpretação” das diferenças culturais, a educação intercultural é mais transformadora, promovendo diálogo e interação entre grupos diferenciados.
Enquanto a escola não reconhecer a existência de uma nova geração de aprendizes, seus diferentes estilos de aprendizagem e o multiculturalismo nela presente, ela está fadada ao fracasso. É preciso “replanejar” o currículo, o programa educacional e a sala de aula, tendo em mente os aspectos acima mencionados. É crucial respeitar as diferenças de cada aluno e não assumir que todos devem ou querem chegar ao mesmo lugar. Obviamente, não podemos esquecer a figura do professor na instituição Escola. Ele tem um papel fundamental no processo educacional, e na promoção de mudanças ou repetição de padrões.
Por que a escola não é, então, reinventada?
Talvez porque seu papel ainda seja, inevitavelmente, reproduzir o sistema ou sociedade na qual está inserida- a sociedade capitalista globalizada da era da informação. Quando falamos em era da informação e no sentido mais amplo de educação, pensamos consequentemente na indústria cultural e nas mídias. As mídias, como espaço de formação de opinião pública, podem ser fortes aliadas da escola e tornar o ensino/aprendizado mais rico, e que, por sua vez, também, estão a serviço das instituições hegemônicas, do sistema. Portanto, além de todos os pontos levantados anteriormente, é também imperativo o estudo das mídias pela mídia-educação como forma de auxiliar a escola na formação dos cidadãos e de seu senso crítico.

Diante de todas essas questões, podemos dizer que a escola tem solução?
Há diferentes visões com relação a isso. Ouça o depoimento de uma pedagoga.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Educação, trabalho e as mudanças ao longo do tempo

De forma crescente, o trabalho exige conhecimento, entendido como produto e processo. E a escola se vê na obrigatoriedade de trabalhar melhor a questão entre conteúdo e método. Uma nova mediação entre homem e trabalho é um dos principais impactos das mudanças no mundo do trabalho sobre a educação.

Basta olhar para a história. Na época do fordismo e do taylorismo, habilidades psicofísicas, memorização e repetição dos procedimentos eram suficientes para delinear quem era apto para realizar as tarefas. Não eram exigidos, portanto, muitos anos de escolaridade e outros conhecimentos específicos para que o homem pudesse se destacar. É claro que havia exceções, os intelectuais da época precisavam deste tipo de produção e de estímulo ao conhecimento.

Mas a incorporação da ciência e da tecnologia aos mais diversos processos produtivos exigiu uma mudança de paradigma, que se estendeu aos outros setores da vida social e produtiva, apesar de ter impactos diferentes. Então houve uma maior exigência do trabalhador por parte da relação com o conhecimento. E isso deve, na maioria das vezes, nascer dentro dos muros da escola. Por outro lado, os empregos informais ainda seguem um caminho diferente. O trabalho bem-sucedido nessas condições depende de conhecimentos específicos e formas tradicionais de gestão, por exemplo.

Dessa forma, há uma necessidade de apropriar-se de conhecimentos científicos, tecnológicos e sócio-históricos, até por uma questão de sobrevivência dentro do âmbito profissional. O método também se tornou importante devido às novas demandas, digamos que devido à agilidade das atualizações dos conhecimentos. A Doutora em Educação Acácia Zeneida Kuenzer aponta que o cenário abre espaço para uma nova metodologia, e não a da “escola burguesa”. Segundo ela, o que está em jogo é a superação do próprio capitalismo.

Para tal, a mediação da linguagem tem que ser reconhecida como o foco entre a relação entre o homem e o trabalho. Antigamente, como nas fases já citadas taylorista e fordista, a relação acontecia especificamente entre usuário e produto. Com a modificação da finalidade, com foco em desenvolvimento tecnológico e não mais em maximização da produção, a relação acontece entre usuário e processo, e não mais produto, dependendo do conhecimento deste produtor.

A tecnologia atinge o mercado de trabalho globalmente. A Internet acabou se tornando mais um abismo criado entre continentes. Na Ásia se encontram 41% dos internautas do mundo, 25% deles estão na Europa, 16% na América do Norte, 11% na América Latina e Caribe, 3% na África, 3% no Oriente Médio e 1% na Austrália.

No Brasil, a presente - e crescente - precariedade das escolas públicas promove os chamados desconectados, tanto em questões tecnológicas, quanto em conhecimento. Dessa forma, torna-se difícil transmitir o conhecimento adequado para os alunos e também transmissão de ensino e troca entre professores. Isso fora a perda da autoridade.

A autoridade do professor não deve ser usada para a imposição de ideias, e sim para estimular o aluno. Situações problemáticas são bem-vindas, retirando o aprendiz da inércia, reelaborando conhecimentos vindos de diferentes fontes. Novas ações por parte da Pedagogia romperiam com a tradição escolar, mas abririam espaço para que o aluno também seja um agente sob o olhar do professor, levando o aprendizado de forma mais inteligente para fora dos muros da escola. O diálogo entre o professor e o aluno deve ser ampliado com o uso das redes, visando um intercâmbio educacional e cultural.

Análise baseada no artigo de Acácia Zeneida Kuenzer, “Educação, linguagens e tecnologias: as mudanças no mundo do trabalho e as relações entre conhecimento e método”.


A Literatura como Eixo da Realidade Cultural Brasileira

A literatura é uma forma de representação do fenômeno cultural humano, de representação do pensamento de uma sociedade. Mais do que uma função estética e de proporcionar prazer a quem lê, a literatura, tem antes de tudo, uma função social, de ser retrato da sociedade a qual ela pertence. Quem lê deve enxergar no que lê algo mais do que está sendo lido, deve poder perceber todo o contexto social e histórico presente em qualquer obra literária.
Segundo Portella (1986), o trabalho do escritor, é também um trabalho de instrução. Não se pode vender ao povo uma literatura de baixo nível, o que seria uma atitude cômoda e deformadora. Para ele, a literatura deve ser um instrumento formador, cabendo ao intelectual discutir, criticar, compreender a sua realidade.
A questão da identidade nacional, obviamente se inclui neste processo, a literatura pode e deve fazer parte desse processo de construção de uma identidade cultural, sendo um dos eixos fundamentais de nossa realidade cultural. O escritor tem um importante papel a desempenhar na formação, no nosso caso, de um modo de visão brasileiro, de um modo próprio de nos ver. O intelectual deve interferir ativamente no processo de emancipação nacional, utilizando da literatura para apreender e expressar nossa realidade nacional.
Hall (1999) explica que nação não é apenas uma entidade política, mas algo que produz sentidos – um sistema de representação cultural. As pessoas participam da idéia de nação tal como representada em sua cultura nacional. Acrescenta, ainda, que as culturas nacionais, aos produzir sentidos sobre a nação, sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades e que as nações se diferenciam entre si pelas formas como elas são imaginadas. O autor, posteriormente, acrescenta ainda que sem um sentimento de identificação nacional o sujeito experimentaria um profundo sentimento de perda subjetiva, ou seja, ao mesmo tempo em que ele deve existir e agir como um ser autônomo, ele precisa se perceber como parte de algo mais amplo, de um todo do qual faz parte.
Alguns importantes movimentos literários pensaram de maneira bastante intensa esta questão da identidade nacional. O primeiro deles foi o Romantismo, cuja primeira fase foi a principal responsável por pensar a idéia de um Brasil nação.
O Romantismo é considerado pelos principais pesquisadores da literatura brasileira como o primeiro movimento literário propriamente nacional. Antes do Romantismo, ocorriam na verdade, manifestações literárias no Brasil, com referências externas e caráter difuso. Estas manifestações, na verdade, eram produzidas por homens educados na metrópole, com a mentalidade da metrópole. É só a partir da metade do século XVIII, que se pode começar a falar em uma literatura nacional como eixo de nossa cultura, e não mais como produções individuais reflexos da cultura européia.
Candido (2004) confirma isso, citando que a nossa literatura se inicia como uma continuação da literatura européia e somente a partir, de 1822, com a nossa independência, e com o movimento romântico é que o Brasil passa a adotar uma teoria nacionalista incomodada com tal fato, tentando minimizá-lo. Procura-se, neste momento, exaltar o que teríamos de original, de diferente, “como se quisesse descobrir um estado ideal de começo absoluto”. Tal atitude, nada mais é, que uma forma de afirmação política, que exprime o desejo de uma nação em formação de descobrir sua identidade, afirmando-a ao mundo e sendo reconhecida por ele.
É importante lembrar, que como diz Gumbrecht (1999), tanto os novos quanto os antigos empregos do conceito de identidade sempre estão motivados ou por nostalgia ou por ressentimento. Em nosso caso, podemos dizer que por ambos: nostalgia de um passado glorioso, talvez nunca existente, e ressentimento pela destruição desse passado pelo processo de colonização. Essa soma gerou uma busca por uma identidade verdadeiramente brasileira, que retomasse nosso passado e nos impulsionasse ao futuro como uma nação grande, valorizada pelo mundo.
Hall (1999) confirma o que aqui foi dito, explicando que o discurso da cultura nacional se vê entre o desejo de retornar a glórias passadas e o impulso de avançar em direção ao futuro. Ele vê a cultura nacional como uma “comunidade imaginada”, formada pela união das memórias do passado, com o desejo por viver em conjunto e a perpetuação da herança. Uma cultura nacional busca unificar todos os seus membros numa mesma identidade nacional, representando-os como pertencentes a uma grande família nacional.
Com a independência, desenvolveu-se a idéia de que a nossa literatura deveria ser diferente da portuguesa, pois “um país independente possui uma literatura independente” (Candido, 2004). Portanto, é a partir do romantismo que o nosso comportamento literário passa a ser caracterizado como nosso, como brasileiro. A idéia de Brasil visto como nação, com uma cultura e identidade própria só é concebida a partir daí. Entretanto, é ainda uma idéia ingênua de nação, vista como pura e intocável.
Este foi um momento de intensa participação ideológica da literatura, sendo nossos escritores importantes participantes desses acontecimentos. A literatura adquiriu uma nova face, voltada para esse projeto de construção de nação. A poesia se tornou patriótica, e vários foram os ensaios políticos e os sermões nacionalistas produzidos pelos intelectuais desse tempo.
No romantismo, há uma predominância de um trabalho regionalista, com valorização do que é nosso em detrimento do que não é. Havia um esforço para ser diferente, buscava-se a afirmação de nossas peculiaridades. Nossa identidade cultural estaria marcada pelas nossas diferenças. O objetivo era “criar uma expressão nova e, se possível única, para manifestar a singularidade do país e do eu” (Candido, 2004).
Essa busca pelo que é original do Brasil acabou por levar os escritores a encontrar o que queriam na figura do índio, que seria o verdadeiro brasileiro. O caráter legítimo do texto estaria na definição de um caráter brasileiro, que por sua vez, se encontraria no tema indígena. O nativismo passou a ser, portanto, o principal tema das obras literárias deste tempo. Entretanto, é ainda, um nativismo pitoresco, de conotação francamente patriótica, derivado de nossas origens coloniais. .
Candido (2004) afirma que, na verdade, por ocasião da Independência eles (os índios) já estavam instalados no papel de elemento simbólico da pátria, prontos para o retoque decisivo que os românticos lhe dariam, assimilando-os ao cavaleiro medieval, embelezando seus costumes, emprestando-lhes comportamento requintado e suprema nobreza de sentimentos.
“O indianismo foi um fenômeno de adolescência nacionalista brasileira” (Candido, 2004). Entretanto, foi importante histórica e psicologicamente, por dar ao brasileiro a ilusão de ter um antepassado fundador glorioso, digno e honrado. Idealizado pelos românticos, o índio satisfez a necessidade de um país jovem e mestiço de tornar sua origem algo que possa dignificá-lo.
De um outro lado, o Romantismo vem revelar um novo país através do romance regionalista, que vinha descrevendo lugares e modos de vida diversos desse país de tão grandes proporções. O regionalismo estava aplicado em descrever o interior de nosso país, seus costumes, seu povo, tudo o que o diferenciava dos padrões urbanos. Descreveu extensivamente nosso país, revelando um Brasil até então desconhecido por muitos brasileiros. Isso foi de fundamental importância, principalmente pelo fato de mostrar todas as diferenças como sendo nossas, tudo e todos faziam parte de um mesmo país, e dessa forma, a concepção de nação se ampliava a um maior número de brasileiros.
Um outro fator de valorização de nossa identidade se encontra na valorização de nossa língua. Portella (1986) cita que é imprescindível ver a literatura brasileira como a expressão de uma vivência brasileira. E para expressar algo brasileiro vivido pelos brasileiros é necessário um instrumento próprio, que nada mais é que a linguagem, vista como base de um estilo nacional. Porque, para ele, a linguagem é meio de apreensão e de expressão da realidade. Portanto, uma literatura brasileira deveria utilizar uma linguagem brasileira – idéia que vai ser retomada posteriormente com o movimento modernista.
Apesar de conhecer muito bem a língua portuguesa e escrever com perfeita correção com relação à gramática normativa, os escritores românticos procuraram flexibilizar o uso da língua, procurando não só tonalidades diferentes para descrever a nossa natureza e a nossa sociedade, mas também buscando uma língua que se identificasse com a nossa nação, uma língua que pudesse manifestar nossa identidade cultural.
Prosseguindo na herança deixada pelo Romantismo, o Modernismo, já no século XX vem promover novamente uma reavaliação da cultura brasileira. Segundo Candido (2004), ambos os movimentos não foram apenas movimentos literários, mas também movimentos culturais e sociais de âmbito bastante largo. Um se inicia juntamente com o nosso processo de independência. O outro surge por volta de cem anos depois e juntamente, com o centenário da Independência, vem uma revisão do Brasil por si mesmo, buscando novas perspectivas em uma sociedade em constante transformação.
Assim como outros movimentos, o Modernismo surge influenciado por movimentos europeus. Entretanto, é uma influência que se modifica ao chegar aqui e gera algo que é nosso, próprio de nossa cultura. Foi um movimento complexo e em alguns pontos, contraditório, mas foi o movimento com maior capacidade transformadora já visto no Brasil. Considerado inicialmente como excêntrico pela crítica nacional aos poucos foi assumindo uma posição mais madura e se tornando mais produtivo. Tudo o que era produzido, se baseava em um saber seguro, consciente, fruto de pesquisas e da grande capacidade de reflexão.
Acima de tudo, os artistas modernistas defendiam a liberdade de criação e, principalmente, de experimentação, o direito de não seguir padrões, regras. Pregava a não mecanização da arte. Assim como os românticos, recorreram ao primitivismo, entretanto, não se utilizaram mais daquele índio civilizado, cavalheiro. Os modernistas, como friza Candido (2004), procuraram no índio e no negro, agora sim retomado como elemento fundamental na formação de nossa cultura, o primitivismo que foi capaz de quebrar as convenções da metrópole, de tornar a cultura dominante em nossa cultura.
A obra modernista visava ser um retrato satírico de nosso povo, nossa cultura. Pretendia elevar nossa realidade local, assimilando destrutivamente a cultura européia e recriando-a a nossa maneira. Os modernistas olhavam a realidade de maneira mais crítica, denunciavam o modo até então vigente de mostrar o país como extensão do modo de vida das elites tradicionais. Estes artistas perceberam que o Brasil não era mais o mesmo e procuraram mostrar esse Brasil, com negros, índios, mestiços, imigrantes, proletários e campesinos, ricos e pobres.
Novamente retomaram a questão da língua, já pensada pelos românticos. Segundo Candido (2004), os modernistas valorizavam temas do cotidiano, quebravam a hierarquia dos vocábulos, adotando expressões coloquiais mais singelas, algumas até mesmo vulgares. Combatiam a mania gramatical e pregavam o uso de uma língua, segundo as características diferenciais do Brasil, incorporando o vocabulário e a sintaxe irregular de um país onde as raças e as culturas misturam. Ou seja, os modernistas levaram ao extremo aquilo que o romantismo pregava ainda de maneira modesta. Legitimadas pelo uso brasileiro, as formas incorretas tornam-se corretas.
Somos sim uma cultura que é um prolongamento da cultura européia. Isso não podemos e não devemos negar. Mas, como frisa Portella (1986), uma cultura de prolongamento com matizes de tal modo múltiplos e nítidos, que terminaram por lhe atribuir uma fisionomia própria. Nossa sociedade não se desenvolveu através da continuidade das culturas locais, que ao contrário, foram dizimadas. Ela se formou através da transposição da cultura da metrópole, adaptada a essa nova realidade - nossa realidade. Desde cedo, foi uma sociedade construída em cima de contrastes entre o primitivo e o avançado.
Candido (2004) diz que nossa literatura é uma literatura que se derivou de uma outra, assim como nossa cultura, mas que colocou algo de próprio nela, tomando-a para si na mesma proporção em que a colônia ia se transformando em nação, desenvolvendo sua identidade. Nossa literatura não nasceu aqui: veio pronta de fora para transformar-se à medida que se formava uma sociedade nova, uma sociedade brasileira mais identificada com si mesma.
Segundo Portella (1986), cultura é realidade. Não é sonho ou abstração: é fenômeno vivido, antes de mentalizado. O produto estrangeiro, para ter alguma utilidade, deve ser integrado, como que nacionalizado. A prática revolucionária é ato de cultura. Revolucionar é romper com o estabelecido. É repelir em nosso passado tudo o que significou submissão.
Romantismo e Modernismo foram capazes de perceber esses conceitos e ambos os movimentos, de acordo com seu contexto histórico, procuraram colocar esses conceitos em prática. O Modernismo, com certeza, foi um movimento muito mais profundo, crítico e consciente de seu papel que o Romantismo, mas foi este o movimento que deu o passo inicial na construção de uma identidade cultural brasileira. Foi um movimento de certa forma inocente, mas que ocorreu num Brasil ainda inocente de seu papel no mundo, de seu conceito de nação. Já o Modernismo vem a ocorrer num período de maior consciência artística nacional, o caminho já havia se iniciado e prosseguido com o Realismo, o Naturalismo, e outros movimentos literários que serviram para assentar tudo que já havia sido proposto pelo Romantismo e abrir caminhos para as novas idéias que viriam com o Modernismo.
Como diz Portella (1986), a realidade fenomenal brasileira é muito mais rica e forte do que a consignada em nossa literatura. Por isso, muitos aspectos de nossa vida e de nossa alma como brasileiros ainda não foram captados pelos nossos escritores. Cabe à presente e às futuras gerações captarem esses elementos ainda excluídos de nossa literatura, tendo cada vez mais consciência do papel da obra literária na construção da identidade cultural de um país.





v Referências Bibliográficas:


CANDIDO, Antonio. Iniciação à Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul, 2004.

HALL, Stuart. As culturas nacionais como comunidades imaginadas. In: A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro, DPA, 1999.

PORTELLA, Eduardo. Literatura e Realidade Nacional. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1986.

ORTIZ, Renato. Da Raça à cultura: a mestiçagem e o nacional. In: Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 1985.

A LUTA POR UMA NOVA GLOBALIZAÇÃO


A minha análise, vai ser baseada na entrevista concedida pelo professor Milton Santos – um dos raros pensadores brasileiros cujas reflexões e produção teórica repercutiram não só além das fronteiras de seu país, como também além do âmbito de sua comunidade profissional, um intelectual comprometido com os grandes problemas e questões de seu tempo, sobretudo com aquelas parcelas da população marginalizadas pelo perverso processo de globalização ora em curso. Deixou sua marca de indignação e revolta por todos os meios e instrumentos nos quais teve a oportunidade de manifestar suas idéias, fossem eles textos acadêmicos, aulas na universidade, artigos de jornais ou entrevistas nos programas de televisão – à TV Cultura no ano de 1997. Quem quiser saber um pouco mais sobre esse intelectual deixo o primeiro vídeo da entrevista:

http://www.youtube.com/watch?v=BLugBvmzE58&feature=player_embedded

E para quem quiser ler toda a entrevista deixo o site na qual ela foi transcrita:

http://historiografia.ning.com/profiles/blogs/entrevista-com-milton-santos

A LUTA POR UMA NOVA GLOBALIZAÇÃO

Na entrevista de Milton Santos podemos perceber como ele destaca o papel da mídia nesse processo de globalização, ressaltando como os meios de comunicação estão voltados para o consumo material, mostrando como o mundo é comandado pelas grandes corporações e interesses internacionais. No entanto, ele procura mostrar que a informação, manejada pelo globalitarismo – o autor usa a expressão globalitarismo para expressar o totalitarismo que as nações hegemônicas impõem nas periféricas, seja no âmbito econômico, social ou cultural – pode ser utilizada de uma forma que leve a uma melhor solidariedade, trazendo uma nova interpretação. Tentando mostrar que os padrões da sociedade são outros, e não se direcionando somente para uma pequena parcela da população.

Santos salienta que o socialismo, praticamente não existe, pois o que restou dele já foi incorporado no sistema atual de globalização. Tendo ainda regiões isoladas, mas que se inseridas a globalização vão acabar com práticas capitalistas, como foi o caso da China.

Para ele, a sociedade hodierna tem se mostrado mais combativa com o modelo de desigualdade imposto pelos países hegemônicos. Tem-se uma realidade de dependência muito grande e que esse modelo de globalização acaba por tornar os ricos mais ricos e os pobres mais pobres.

No Brasil, ele repudia a forma como o país está aceitando o que ele chama de globalização perversa (globalitarismo), e não buscando uma forma própria de entrar nesse processo de globalização, que seja menos desigual para a população. Ele chama a necessidade de um projeto nacional no caso brasileiro, para que o país não seja engolido por um processo econômico que deixe a situação social mais desigual.

Para ele, uma mudança na situação atual virá a partir do momento que os excluídos tomarem consciência da situação que eles estão, e saírem da posição de “conformismo”. Desta forma, pressionando o sistema para conseguir serem inseridos de uma maneira mais humana.

Essa nova globalização só não ocorre, segundo ele, porque os intelectuais não se colocam como pensadores dos seus países, mas sim com um pensamento que vai de acordo com o pensamento dominante (Estados Unidos e Europa). Ele afirma que é necessário produzirmos novos conhecimentos, para assim buscarmos outro tipo de globalização.

Aluno: Gabriel Vitiello

IDENTIDADE CULTURAL E MUSICAL NA ESCOLA DO NOVO MILÊNIO

A música tem evoluído a largos passos. Primeiramente surgiu o canto, em seguida os instrumentos musicais e depois vieram os aparelhos e tecnologias que possibilitaram guardar e reproduzir fielmente o que fora produzido pelos músicos. A partir daí, essa música pode ser compartilhada por um número cada vez maior de ouvintes, que antes só podiam entendê-la sonicamente em momentos únicos, principalmente em execuções particulares ou em concertos ao vivo. Com a sistematização de seu ensino, educadores e pesquisadores tiveram a possibilidade de discerni-la de forma mais ampla, percebendo suas implicações na vida cotidiana do educando. Este, por outro lado, apresenta uma bagagem relevante dada às correlações estabelecidas junto ao seu reduto cultural e também pelas influências dos meios de comunicação e avanços tecnológicos que acontecem cada vez mais rápidos e inevitáveis. Este artigo tem como propósito discutir e refletir um pouco sobre este processo e seus direcionamentos.

“A música é a linguagem universal – não precisa ser traduzida: é assim que a alma do artista te fala ao coração”. BERTHOLD ALIERBACH

Os avanços tecnológicos e sociais acontecem cada vez mais rápidos. E, com a mesma rapidez com que são gerados e discernidos, são dissipados quase que instantaneamente em todo o globo terrestre. Como, então, a Educação pode ficar alheia a isso tudo? Digamos que nos dias de hoje isso é quase impossível. Claro que pode e deve haver algum tipo de filtragem nessa avalanche de informações, algumas errôneas e estereotipadas.

Sendo assim, até mesmo para que possamos proteger-nos, é preciso saber o que está acontecendo à nossa volta e, particularmente falando, nos embrenharmos em questões relacionadas à música e ao seu ensino que inferem na construção do saber e do sujeito, e que, obrigatoriamente, passam pelas transformações tecnológicas e influências dos meios de comunicação, pela construção de identidade cultural, pela autonomia que se relacionam com a nova era e com a nova Educação, esta, nem tão nova assim.

Ao longo de sua história, as sociedades modificam-se e estabelecem novas formas ao modo de pensar e agir das pessoas no sentido cultural, social e político. Há profundas transformações tecnológicas e sociais, estabelecendo novas relações e tomadas de decisões, levando o sujeito a assumir, por conseguinte, também novas identidades na pós-modernidade.

As tecnologias se firmam como um fator substancial na conformação da sociedade pós-moderna, principalmente no que se relaciona aos processos de comunicação, presentes nas mais distintas áreas. Os meios eletrônicos, por exemplo, foram significativos ao diminuírem distâncias e aproximarem pessoas no tempo, possibilitando novas conexões.

Com o advento do computador, do formato mp3 e da internet, as relações refizeram-se. Multiplicaram-se estúdios de gravação, agora mais acessíveis, e a divulgação passou a ser feita também pelos artistas independentes e pelas pequenas gravadoras e produtoras. Os próprios artistas puderam comercializar ou disponibilizar na web suas músicas, vídeos e materiais de divulgação em blogs, sítios (sites) pessoais, rádios e sítios de veiculação de vídeos como o YouTube, acessado por milhões de pessoas diariamente.


A respeito das modificações sociais e da crise de identidade do indivíduo por conta das modificações, Stuart Hall nos diz que as velhas identidades por um grande período estabilizaram o mundo social. Contudo, estão ruindo e levando ao aparecimento de novas identidades e, por conseguinte, levando também à fragmentação e a uma crise de identidade do indivíduo moderno, que era tido até então como um sujeito unificado. Isso tudo, participante de um processo maior de mudanças, “está deslocando estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social” (HALL, 2005, p. 7).

Nesse viés, por muito tempo as gravadoras multinacionais (BMG, EMI, Sony Music, Warner, Universal, entre outras) ditaram os rumos da música e estabeleceram sucessos instantâneos nas emissoras de rádio e de TV em esfera mundial. Até por que detinham, devido o alto custo tecnológico e operacional, boa parte do processo fonográfico: gravação, fabricação e distribuição.

Foi o caso, por exemplo, do álbum “Thriller” do cantor Michael Jackson lançado mundialmente em 1982 pela Sony Music. Vendeu rapidamente milhões de cópias e alcançou gigantesco sucesso nas rádios e clips nas TVs, encabeçando por um período “acima do normal” o topo da lista das músicas mais tocadas.

É esta situação que vivenciamos na sociedade atual, resultado das contínuas transformações e articulações. Além do maquinário e da tecnologia à nossa disposição, há cada vez mais um volumoso acúmulo e dissipação instantânea de informações e dados que chegam praticamente em todas as áreas do conhecimento, inclusive na Educação e, consequentemente, no ensino musical. E, nesse contexto, os meios de comunicação assumem, por assim dizer, um papel fundamental, pois intervêm nas relações sociais, nas construções de identidades, influenciando modos de ser, de agir e de pensar.

Comungo com o Educador Musical Keith Swanwick quando nos diz que fazemos parte desse conglomerado e que o “discurso musical, embora inclua um elemento de reflexão cultural”, possibilita a “refração cultural” e nos permite “ver e sentir de novas maneiras”. Para o autor, não “recebemos cultura, meramente. Somos intérpretes culturais”. E essa música “não somente possui um papel na reprodução cultural e afirmação social, mas também potencial para promover o desenvolvimento individual, a renovação cultural, a evolução social, a mudança”. E que a música, como forma de discurso com implicações múltiplas, pode ser um veículo de transformação de um mundo diferente por vir, pois se combina com os demais discursos e estabelece-se como uma ligação “entre os indivíduos e entre diferentes grupos culturais”, podendo ir “além de suas relações com origens locais e limitações de função social” (SWANWICK, 2003, p. 40-45).

Antes de ingressar na escola o educando já dispõe de uma identidade cultural e consequentemente, de uma bagagem musical relevante, dadas as conexões que se estabelecem continuamente com o seu meio e ao longo de suas experiências de vida. Acontece no engajamento familiar, no círculo de amigos, nas práticas sociais, ou mesmo como ouvinte do conglomerado gerado pelos meios de comunicação, que estão cada vez mais presentes devido, sobretudo, à popularização e o consumo de tecnologias que propiciam rapidez na troca de informações e dados.

Diferentes concepções e expressões culturais são assimiladas e identificadas. Outras, todavia, são descartadas instantaneamente. Não que a tecnologia e seus produtos ditem agora os rumos da Educação. Mas eles entram, sim, como mais um elemento a participar da construção do conhecimento e de concepções estéticas. Como negar o rádio, a TV, a internet e os aparelhos digitais incorporados à vida de todos nós, inclusive do educando?


Na escola, por outro lado, este aprendente pode repensar e estruturar um senso musical mais elaborado, contextualizado, direcionado a um propósito específico e relacionado às áreas do conhecimento que o cercam neste ambiente propício.

Através de atividades artístico-pedagógicas na sala de aula, de propostas interdisciplinares, ou mesmo pelo link que se estabelece na troca de informações constantes, isso acaba acontecendo e incidindo diretamente na Educação e na aprendizagem musical. Até porque Educar exige perspectivas de futuro e, sendo assim, o aluno só aprende aquilo em que vê significado e, de algum modo, lhe traz prazer. Constata-se isso ao se observar com frequência crianças e jovens manipulando e interagindo com destreza jogos, aparelhos eletrônicos e equipamentos musicais dos mais diversos tipos, colocados à disposição deles cada vez mais precoce.

O que acontecerá é incerto. Até porque, como nos fala José Miguel Wisnik, não “se sabe o que será triado, no futuro, do grande fluxo da música do século XX. Séculos muito menos convulsionados pela explosão das quantidades, não souberam”. Para o autor, que destaca ainda a universalização musical, o “nosso deslocamento perante a música do século quanto a seu significado futuro não é propriamente novidade” (WISNIK, 1989, p. 204). E para Swanwick, com a manipulação, transmissão eletrônica, processo de gravação e geração de sons, acontecidos cada vez mais rápidos, culminou em “uma abertura de novas possibilidades” (SWANWICK, 1993, p. 25-26).

Isso tudo nos remete a muitos caminhos e, por vezes, traz inquietações: A pós-modernidade que estamos vivenciando será a glória dos mais fortes ou será o fim das “culturas mais fracas”? Ou então levará tudo isso a contínuos cruzamentos, pluralismos ou mesmo a uma homogeneização cultural, talvez pasteurizada, afetando inevitavelmente a Educação? Fazer o quê? Particularmente, qual o novo sentido e novos paradigmas no ensino musical? Resistir, inovar, esperar, atualizar-se, abdicar, sucumbir? São perguntas que ainda não podemos responder. O que não invalida procurarmos, não necessariamente as repostas, mas os significados e direcionamentos que se apresentam hoje, além dos que estão por vir.

Pensar em um ensino de música atualmente é dirigir-se ao real, ou pelo menos tentar, e a partir dele construir e alicerçar-se em uma prática que não seja somente longitudinal, ambígua e inaplicável. E isso não significa, como já disse anteriormente, renegar o acervo cultural construído até o momento. De forma alguma. Mas também não mais se valida compartimentalizar de maneira estanque o saber, fincando-se somente no passado e não participar da construção do (novo) conhecimento que está à volta, de várias formas.


O ensino da música na escola regular possibilita também uma reflexão a respeito do papel desta cultura (musical) na sociedade onde estamos inseridos. E, como já mostrou Murray Schafer, nos invocando para uma escuta consciente, certamente não há como escapar do fato de que, nos dias de hoje, a música torna-se cada vez mais presente. Haja vista as rádios, internet, celulares, aparelhos sonoros que estão à nossa volta corriqueiramente, seja na sala de aula, em casa, no lazer, trabalho, carro, metrô, ônibus ou mesmo em celebrações religiosas (SCHAFER, 1991, passim).

Questionar e procurar entender como a música e as tecnologias da comunicação atuam sobre o educando é uma das preocupações atualmente de muitos educadores e pesquisadores da área musical. Na música e em tudo que está à sua volta é preponderante buscarmos a compreensão das mudanças que já se apresentam e que se estabelecem no nosso dia a dia. O momento que estamos vivenciando requer, pelo menos, um olhar mais crítico por parte de todos os segmentos da sociedade, pois presenciamos rápidas e contínuas transformações, que trazem incontestáveis benefícios, mas também o inverso.

Decerto, o novo e a modernidade amedrontam. Mas, ao mesmo tempo, nos fascinam e nos fazem evoluir. Nessa incessante busca e diálogo, respostas satisfatórias hão de surgir e, em contrapartida, outras provavelmente não poderão ser respondidas, pelo menos de imediato. E isso nos impulsiona à frente, sempre. Não as respostas, mas a certeza de que nos renovaremos, de que estaremos sempre a aprender em uma inesgotável fonte, atingindo patamares até então inimagináveis. O velho não significa obsoleto, mas o novo não pode ser negado, sob pena de se perder e, por ironia, tornar-se obsoleto e inaplicável. Paulo Freire nos fala que é “próprio do pensar certo a disponibilidade ao risco, a aceitação do novo que não pode ser negado ou acolhido só porque é novo, assim como o critério de recusa ao velho não é apenas o cronológico”. O velho mantém sua validade devido a tradição, e continua novo, segundo o autor, por marcar “sua presença no tempo” (FREIRE, 1996, p. 35).



Referências
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 33. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 10. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

HARVEY, David. Espaços de esperança. Tradução: Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Loyola, 2006.

NETTL, Bruno. Heartland excursions: ethnomusicological reflections on schools of music. Urbana: University of Illinois Press. (Cópia processada eletronicamente de trechos selecionados). Tradução de Guilherme Werlang. Rio de Janeiro: Laboratório de Etnomusicologia da UFRJ, 2002.

NEVES, Paulo. Mixagem, o ouvido musical do Brasil. São Paulo: Max Limonad, 1985.

SCHAFER, R. Murray. O ouvido pensante. Tradução de Marisa Trenche de O. Fonterrada, Magda R. Gomes da Silva e Maria Lúcia Pascoal. São Paulo: Fundação UNESP,1991.



Aluno: Roberto Stepheson
Aparentemente o aluno Roberto Stepheson não conseguiu postar seu trabalho e o fez na caixa de comentários. Por isso estou passando pra cá.
Pollyanna

Cibercultura e Educação

No vídeo abaixo, selecionei alguns trechos do livro Cibercultura de Pierre Levy e tentei fazer uma comparação do texto com imagens ou vídeos sobre o trecho selecionado. Minha intenção é mostrar que embora o texto de Levy seja altamente utópico e pode ser aplicável ou não, pois a realidade da internet e da tecnologia não é similar em todas as sociedades, várias de suas teorias já estão mais em prática do que se imagina no dia a dia.


Minha querida bolsa Louis Vuitton: um estilo de celebridade para chamar de seu



As matérias “Quadrilha que roubava celebridades era liberada por jovem de 19 anos” (http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2009/11/07/quadrilha-que-roubava-celebridades-era-liderada-por-jovem-de-19-anos-914655275.asp) e “Uma quadrilha com grife de Hollywood”, veiculadas respectivamente nos dias 7 e 17 de novembro pelo jornal O Globo falam de uma quadrilha de jovens delinqüentes que roubava casas de celebridades como Paris Hilton, Lindsay Lohan e Orlando Bloom. Os infratores utilizavam-se da internet para saber quando suas vítimas estariam ou não em casa. A partir do acontecido, pode-se discorrer sobre cultura e sobre sujeito.


O que chama atenção no caso, além da pouca idade dos envolvidos nos crimes que, a priori seriam cometidos por malfeitores com ampla experiência no mundo do arrombamentos de mansões, é uma das motivações do ato criminoso. A chefe da quadrilha, Rachel Lee “queria ter roupas de grandes estilistas e das celebridades de Hollywood que admirava”. Isto nos leva ao seguinte questionamento: por que uma garota de 18 anos comete crimes e coloca seu futuro em risco para ter roupas caras?


Para que esta garota chegue às ultimas conseqüências (o roubo), há uma grande valorização e vontade de pertencer, de alguma maneira, a um mundo de glamour e sofisticação, o mundo das celebridades. Entende-se que as roupas e jóias roubadas não são vistas por estes jovens como apenas simples objetos que podem gerar lucro, já que alguns artigos fruto do roubo eram mantidos e usados pela quadrilha, mas sim como artefatos fundamentais na construção de uma identidade que remete a celebridades. Estas imagens, em algum momento, deixaram de ser apenas bolsas e sapatos para se tornarem representações da cultura de culto às pessoas famosas. Segundo Hall (1997), estas imagens “podem parecer demasiadamente simplificadas, mas pode-se imaginar que se refiram a formações discursivas e culturais bastante complexas”. Uma bolsa Louis Vitton deixa de ter o caráter funcional e, a partir de uma série de discursos de uma determinada cultura, torna-se a representação de algo maior do que um simples invólucro de dinheiro e eventuais itens a serem carregados por mulheres.


Poole (1993) fala de uma galeria de objetos dentro de uma cultura que perdem o papel de utensílio e são promovidos a uma nova categoria, a de objetos “significativos ou representativos que aqueles com a identidade e conhecimento apropriado podem interpretar e avaliar”. Bolsas Louis Vitton são caras. O fato de serem caras lhe confere certa exclusividade. A exclusividade remete à unicidade. Quem usa bolsas Louis Vitton, segundo este raciocínio, é especial, único e tem dinheiro, valores culturalmente apreciados em nossa sociedade. Ainda segundo Poole, através de certos artefatos culturais podemos reconhecer uma existência objetiva em nossa forma de vida. Uma bolsa Louis Vitton passa a ser um recurso material que constrói a identidade um grupo.


Ao mesmo tempo em que os objetos roubados das casas das pessoas famosas contribuem para a formação dessa identidade cujo objetivo é o de se aproximar o máximo possível das celebridades, estes significados que tais objetos carregam para este grupo não são fixos ou imutáveis. Diz Hall, “O significado é inerentemente instável: ela procura o fechamento (a identidade), mas ele é constantemente perturbado (pela diferença)” (2006, p. 41). Bolsas, sapatos e jóias hoje marcam e distinguem um grupo de pessoas cujo estilo remete ao de celebridades, mas, no futuro, talvez essa associação se dê por meio de outro símbolo ou até mesmo a partir de um comportamento. A construção da identidade cultural também se dá pela diferença, como assinala Taylor(1994): “Nossa identidade é parcialmente formada pelo reconhecimento ou a ausência dele, freqüentemente pelo não reconhecimento dos outros. Uma bolsa Louis Vitton não é uma bolsa das lojas Renner ou da Citycol. É uma bolsa que não é nacional, é importada. Essa série de ‘nãos’ define não só o símbolo, mas também aqueles que se relacionam com o símbolo.


Não podemos afirmar que este tipo de identidade, que busca o glamour e o luxo, seja almejada daqui há 20 ou 30 anos. Nos dias de hoje existe uma grande valorização do que é público, da fama, mas os valores e os sujeitos que compõem a sociedade mudam, como Hall sinaliza “A identidade torna-se uma ‘celebração móvel’: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam”. No passado, os artistas do rádio eram pessoas famosas, enquanto atualmente é dado grande valor e atenção a participantes de reality- shows.


por: Thiago V.


Referências bibliográficas:


TAYLOR, Charles. El Multiculturalismo y “La Política del Reconhecimento”. México. Ed. Fondo de Cultura Económica, 1992


Hall, S. “A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções do nosso tempo [1]”. In Thompson, K. (Ed.) Media and Cultural Regulation. London: The Open University, 1997. (cap.5). [Tradução em português]


HALL, Stwart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. Ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.


Anotações de aula e power points da disciplina Educação contemporânea ministrada pelo professor Dr. Ralph Ings Bannell durante o segundo semestre de 2009 no curso de especialização em Mídia, tecnologia da Informação e Novas Práticas Educacionais.






Alien versus Predador

Ou o velho jogo do nós contra os outros,
qualquer outro que seja um pouco mais diferente.


Não é de hoje que utiliza-se a imagem de monstros ou criaturas que se afastam, física ou psicologicamente, das características de um ideal de ser humano bom, ético, dadivoso – ou como atualmente também pode ser chamado: cidadão de bem – para dar medo em crianças e ensiná-las a identificar “mocinhos” e “bandidos”.

Os contos de fadas são baseados nessa visão maniqueísta e alguns títulos cinematográficos recentes seguem o mesmo roteiro. Contudo, mais do que apontar para uma criança que se ela andar sozinha um desconhecido pode levá-la ou que ela pode se perder e se meter em encrenca; obras como Alien Versus Predador podem servir como exemplo do uso dos meios de comunicação que contribui para o fortalecimento de uma determinada ideologia, uma forma de se ver, de ver o mundo e os outros que o habitam.

Alien versus homem civilizado
Em artigo publicado em sua coluna na Revista Cult, de novembro de 2009, Márcia Tiburi define o personagem que dá título ao filme que está completando 30 anos: “O monstro é o verdadeiro herói do filme, pois apenas ele foi, de fato, atacado em seu habitat e precisa se defender”. Mas isso é tratado como um mero detalhe pelo roteiro do filme. Assim como é uma miudeza o fato de que o sistema que comanda a nave e dita as ordens à tripulação tem o único objetivo programado que é o de estudar essa forma alienígena, não importando se os seres humanos correm risco de morte.

Não está em jogo o porquê real da missão, a invasão ou possíveis erros ou manipulação do sistema; apesar de ter sido apresentado de alguma forma no curso do filme. O que se destaca é o fim do diferente, o extermínio do outro que em nada fisicamente se assemelha ao humano – já que sua forma física remete mais a um bicho, um inseto –, mas que possui características outras que o tornam mais fortes e mortais que os oriundos da Terra. E numa espécie de Lei da Evolução as avessas, o mais forte – e, portanto, segundo Darwin, melhor adaptado para sobreviver – precisa ser aniquilado. Mas isso também porque lança-se mão de atributos, que não apenas o da força, para fundamentar a matança. Num jogo de conceitos e novas interpretações, os papéis se invertem e o humano, mesmo perceptivelmente mais frágil, passa a ser o grande favorito enquanto o outro passa a carregar as características do perdedor.

O que não é muito diferente de algumas justificativas históricas que apontavam para a inferioridade do negro em relação ao branco. Como descreve o Professor Titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia, da UFMG, Sergio Danilo Pena: “A ‘solução’ encontrada para conciliar a consciência cristã com as desumanidades a que os senhores submetiam seus escravos foi a invenção de uma ideologia que relegava os africanos a um status biologicamente inferior, assim negando-lhes a plena humanidade”.

O Alien, como o negro foi durante anos, é o selvagem, o bárbaro, o não civilizado; uma vez que nem mesmo parece possuir código de linguagem compreensível aos humanos civilizados.

Predador: uma imagem espelhada do homem civilizado
Exibido pela primeira vez em 1987, o filme O Predador apresentava o monstro com uma visível forma humana (onde o grotesco de sua aparência era escondido por capacete e armadura) e um tipo de dreadlocks – penteado bastante utilizado por integrantes do movimento rastafári. E desde o lançamento, ele foi percebido como um personagem mais complexo. Diferente do Alien, ele carregava em seu perfil a marca de um guerreiro-caçador, que testa sua destreza em lutas com outros seres que julga capaz de enfrentá-lo. Mas isso tudo, sem se esquecer do rigoroso código de ética dos Predadores que proíbe luta, por exemplo, com seres desarmados ou doentes, a não ser que estes ataquem primeiro.

O roteiro do Predador vai construindo uma relação na qual mocinho e bandido passam a ter seu lugar ao sol. Assim, o monstro, que começa o filme matando pessoas, recebe o reconhecimento do herói (tão ser humano quanto os figurantes mortos), que mesmo o tendo vencido, deixa transparecer um sentimento de admiração, pouco antes de subirem os créditos.

O Predador encarna o papel do que Edgar Morin chama de “olimpianos modernos” (o autor faz referência ao termo cunhado por Henri Raymond) que são produzidos pela cultura de massa a partir do encontro do real com o imaginário e vice-versa. Sobre a natureza deles Morin descreve: “Os olimpianos, por meio de sua dupla natureza, divina e humana, efetuam a circulação permanente entre o mundo da projeção e o mundo da identificação. Concentram nessa dupla natureza um complexo virulento de projeção-identificação. Eles realizam os fantasmas que os mortais não podem realizar, mas chamam os mortais para realizar o imaginário”. (MORIN, 2007)

Dessa forma, o Predador pode se transformar num mais-do-que-humano, ele pode ocupar o posto de herói. E para isso também não lhe faltam qualidades natas aos mocinhos: inteligência superior (ele é de uma civilização tecnologicamente mais avançada que terráquea), possui um sistema de comunicação tão complexo quanto o humano, consegue seguir os rígidos códigos de conduta e às vezes estará em situações em que será obrigado a fazer escolhas. Mais humano impossível, não fosse por sua forma física que teima em acender o sinal amarelo e faça com que ele volte, nas seqüências seguintes, a perseguir e ser perseguido.

Alien versus Predador: como os homens estabelecem alianças?
“A identidade é uma construção que se narra. Estabelecem-se acontecimentos fundadores, quase sempre relacionados à apropriação de um território por um povo ou à independência obtida através do enfrentamento dos estrangeiros”. (CANCLINI,2008)

Depois de estrelarem suas próprias produções e terem suas identidades forjadas pelo curso do roteiro, Alien e Predador se enfrentam. Nesse filme, lançado em 2004, um milionário americano descobre uma pirâmide na Antárdida, a 700 m da superfície, e decide contratar uma equipe para explorá-la. No decorrer do filme, o grupo descobre que a pirâmide foi projetada por alienígenas, os Predadores, reverenciados como Deuses para as civilizações antigas, que inclusive faziam rituais de sacrifícios para eles. Depois da morte de quase todos do grupo (pelos Aliens e também pelos Predadores) resta uma mulher que consegue estabelecer um tipo de “conversa” com o Predador e ambos passam a lutar contra os, agora únicos, monstros do local.

Na realidade, a pirâmide funcionava como local no qual os Predadores faziam seus rituais de passagem. Para isso, eles mantinham aprisionado um Alien (que, nesse caso, pode ser associado a uma abelha rainha) e utilizavam os humanos entregues nos sacrifícios para hospedar os ovos e gerarem novos Aliens para que os Predadores pudessem duelar.

Novamente, o fato dos Predadores terem matado humanos ou do Alien ser mantido como um escravo reprodutor passam ao largo de qualquer consciência ética ou moral que pudesse, minimamente, por exemplo, fazer questionar o porquê de tanta fúria da mãe Alien, que apenas tentava proteger seus filhotes. Em nenhum momento do roteiro o Predador ocupa o banco dos réus, pelo contrário, como expresso nas palavras do produtor John Davis, no site oficial do filme: “Ele não quer deixar nenhuma carnificina para trás na Terra que pudesse perturbar o equilíbrio do planeta. Isso dá ao personagem uma certa dignidade”.

Mas afinal, os Predadores não são também invasores alienígenas? Por que então os seres humanos tendem a formar alianças com eles? Talvez a resposta esteja na equação: na luta contra os estranhos/ os outros terá a aliança aquele que se assemelhar mais ao que for instituído como padrão ou que pelo menos proporcione alguma vantagem para a manutenção da “ordem”, do status quo.

E assim é com o Predador, que por se assemelhar aos humanos tem mais chance de se transformar em companheiro de batalha e ter suas características próprias (como o fato de matarem pessoas que se tornou secundário no roteiro) deixadas de lado, em nome da luta contra um inimigo comum. Como também ocorre com os afro-americanos nos Estados Unidos que, apesar do forte racismo que tende a tratá-los como inferiores, engrossam as forças armadas indicando que para ocupar um cargo executivo eles não servem ou são vistos com reserva; mas para defender o Tio Sam são ótimos. Continuando em solo americano outro exemplo vem da aliança que os EUA fizeram com osTalibans, de Osama Bin Laden, contra a União Soviética; passada a Guerra Fria, eles se tornaram inimigos de carteirinha para os americanos.

O filme Alien versus Predador pode ser entendido como um espelho da sociedade em que vivemos. Nele, para além dos efeitos especiais e o roteiro com proposta ficcional, percebe-se que “o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens” (Debord,2008), que reproduzem, propagam a estrutura de organização do poder (econômico, político, social) vigente, uma vez que são produzidas, ainda em larga escala, pelos oriundos das classes dominantes, que detém os meios de produção e o capital para investir.

Uma proposta intercultural para Alien e Predador
Em seu artigo Direitos humanos, educação e interculturalidade: as tensões entre igualdade e diferença, Vera Maria Candau (professora titular do Departamento de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) destaca três desafios em trabalhar as relações entre educação intercultural e direitos humanos, com a proposta de construir “uma sociedade democrática, plural, humana, que articule políticas de igualdade com políticas de identidade”.

Para a professora o primeiro obstáculo reside na quebra dos preconceitos já tão enraizados e naturalizados na sociedade que fortalecem o abismo do “nós contra os outros”. Num segundo momento, deve-se buscar o “reconhecimento e a valorização das diferenças culturais, dos diversos saberes e práticas”. Já o terceiro desafio aponta para o “resgate dos processos de construção das identidades culturais, tanto no nível pessoal como coletivo”, a autora ainda destaca que “um elemento fundamental nessa perspectiva são as histórias de vida e da construção de diferentes comunidades socioculturais”.

Se os humanos das produções cinematográficas citadas ao longo do texto adotassem o que propõe Candau – pincelado no parágrafo anterior – os filmes teriam, seguramente, outro desenvolvimento e roteiro. Mais do que tentar classificar como mocinhos e bandidos ou o que o grupo tal pode oferecer como vantagem, poderia refletir em possibilidades de convivência com a diferença, como Debord destaca: “A heterogeneidade multitemporal e multicultural não é um obstáculo a ser eliminado, mas um dado básico em qualquer programa de desenvolvimento e integração” (2008). Talvez assim, o ser humano pudesse afirmar, sem medo de cometer erros, que está evoluindo e ao invés de repetir mais do mesmo.

Referências bibliográficas citadas:

CANDAU, Vera Maria. Direitos humanos, educação e interculturalidade: as tensões entre igualdade e diferença. Revista Brasileira de Educação, v. 13, n.37, p. 45-56, jan/abr. 2008.

CANCLINI, Néstor García. Consumidores e cidadãos. Rio de Janeiro. Editora UFRJ: 2008

DEBORD, Gyu. A sociedade do espetáculo. Comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro. Contraponto: 2008

MORIN, Edgar. Cultura de Massas no Século XX. Volume 1: Neurose. Rio de Janeiro. Forense Universitária: 2007.

PENA, Sérgio Danilo. O DNA do racismo. http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/deriva-genetica/o-dna-do-racismo

TIBURI, Márcia. Alien. Para comemorar os 30 anos do monstro que nos faz pensar no futuro. Revista CULT, ano 12, n. 141, p. 38 e 39. Novembro. 2009

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

CULTURA E IDENTIDADE

Cultura e Mercadoria. O que estas palavras têm em comum? Muita coisa!
De alguns séculos pra cá estamos vivendo um processo de virada cultural, onde a cultura não é simplesmente um símbolo de identificação social, mas sim um objeto de consumo, uma mercadoria.

Este processo de virada cultural nasce nas transformações do processo produtivo (bastante moderno), e principalmente do processo educativo (em sua maioria ainda bastante tradicional), que passou a ser guiado pelos interesses dos donos dos meios de produção. Mas de que maneira estes ideais carregados de interesse eram difundidos pelos detentores do poder? Através da informação.

A utilização da informação foi um agente poderoso nas transformações sociais e culturais de uma maneira geral. No bojo das mudanças, as relações substantivas como a organização das atividades, as instituições e as relações na própria sociedade, e as relações epistemológicas , como conceituações e interpretações se voltaram para a direção que os discursos ideológicos da mídia queriam dar. Lembremos de que estes eram e ainda são os difusores da informação.

A cultura como rede de significados, pressupostos e identificações do meio social foi diretamente afetada pelos processos de transformação carregados de interesses. Estes passaram a reproduzir fatos e acontecimentos, que antes ocorriam em uma determinada comunidade em uma escala local, por exemplo, e passou a se manifestar em escala global.

Economia, cultura, padrões e valores sofreram um processo de globalização e invadiram novos lugares, onde havia outra identificação social de cultura, hábitos, comportamentos e valores.
Há uma hierarquia que segue estas quebras de barreiras culturais e identitárias, e que têm como cabeça os países centrais, num processo de ‘localismo globalizado’. Um exemplo seria a língua universal “inglês”, que é falada em países fora do domínio deste tipo de colonização; as comidas que se tornaram universais, como o hamburger, hot dog, japanese food, etc.

Integra também a hierarquia de influência cultural o processo de ‘globalismo localizado’’, que seria uma espécie de invasão sofrida pelos países periféricos, que acabam por transformar as práticas culturais internacionais em condições locais. Um bom exemplo acontece no Brasil, com a inclusão de celebrações como a festa do Halloween e o grande teor de músicas de língua inglesa tocando nas rádios, etc.

Um resultado marcante que destaco deste complexo processo é um multiculturalismo instaurado nos espaços sociais. Desta forma as sociedades convivem com a presença de imigrantes portadores de outra cultura e de outros hábitos, e em alguns casos, aderem às práticas destes. Um bom exemplo disso é uma das cidades que é metrópole mundial, Nova York.

A linguagem, que também é uma prática social que atribui significados para o mundo ganha novos significados, de acordo com a ótica e a cultura prévia que se tem do objeto, ou seja, a atitude que se tem em relação a linguagem.

Desta forma, cultura e identidade são palavras que se completam, já que tudo depende da forma como a linguagem que as transmite é expressada e entendida pela sociedade.