terça-feira, 8 de dezembro de 2009

IDENTIDADE CULTURAL E MUSICAL NA ESCOLA DO NOVO MILÊNIO

A música tem evoluído a largos passos. Primeiramente surgiu o canto, em seguida os instrumentos musicais e depois vieram os aparelhos e tecnologias que possibilitaram guardar e reproduzir fielmente o que fora produzido pelos músicos. A partir daí, essa música pode ser compartilhada por um número cada vez maior de ouvintes, que antes só podiam entendê-la sonicamente em momentos únicos, principalmente em execuções particulares ou em concertos ao vivo. Com a sistematização de seu ensino, educadores e pesquisadores tiveram a possibilidade de discerni-la de forma mais ampla, percebendo suas implicações na vida cotidiana do educando. Este, por outro lado, apresenta uma bagagem relevante dada às correlações estabelecidas junto ao seu reduto cultural e também pelas influências dos meios de comunicação e avanços tecnológicos que acontecem cada vez mais rápidos e inevitáveis. Este artigo tem como propósito discutir e refletir um pouco sobre este processo e seus direcionamentos.

“A música é a linguagem universal – não precisa ser traduzida: é assim que a alma do artista te fala ao coração”. BERTHOLD ALIERBACH

Os avanços tecnológicos e sociais acontecem cada vez mais rápidos. E, com a mesma rapidez com que são gerados e discernidos, são dissipados quase que instantaneamente em todo o globo terrestre. Como, então, a Educação pode ficar alheia a isso tudo? Digamos que nos dias de hoje isso é quase impossível. Claro que pode e deve haver algum tipo de filtragem nessa avalanche de informações, algumas errôneas e estereotipadas.

Sendo assim, até mesmo para que possamos proteger-nos, é preciso saber o que está acontecendo à nossa volta e, particularmente falando, nos embrenharmos em questões relacionadas à música e ao seu ensino que inferem na construção do saber e do sujeito, e que, obrigatoriamente, passam pelas transformações tecnológicas e influências dos meios de comunicação, pela construção de identidade cultural, pela autonomia que se relacionam com a nova era e com a nova Educação, esta, nem tão nova assim.

Ao longo de sua história, as sociedades modificam-se e estabelecem novas formas ao modo de pensar e agir das pessoas no sentido cultural, social e político. Há profundas transformações tecnológicas e sociais, estabelecendo novas relações e tomadas de decisões, levando o sujeito a assumir, por conseguinte, também novas identidades na pós-modernidade.

As tecnologias se firmam como um fator substancial na conformação da sociedade pós-moderna, principalmente no que se relaciona aos processos de comunicação, presentes nas mais distintas áreas. Os meios eletrônicos, por exemplo, foram significativos ao diminuírem distâncias e aproximarem pessoas no tempo, possibilitando novas conexões.

Com o advento do computador, do formato mp3 e da internet, as relações refizeram-se. Multiplicaram-se estúdios de gravação, agora mais acessíveis, e a divulgação passou a ser feita também pelos artistas independentes e pelas pequenas gravadoras e produtoras. Os próprios artistas puderam comercializar ou disponibilizar na web suas músicas, vídeos e materiais de divulgação em blogs, sítios (sites) pessoais, rádios e sítios de veiculação de vídeos como o YouTube, acessado por milhões de pessoas diariamente.


A respeito das modificações sociais e da crise de identidade do indivíduo por conta das modificações, Stuart Hall nos diz que as velhas identidades por um grande período estabilizaram o mundo social. Contudo, estão ruindo e levando ao aparecimento de novas identidades e, por conseguinte, levando também à fragmentação e a uma crise de identidade do indivíduo moderno, que era tido até então como um sujeito unificado. Isso tudo, participante de um processo maior de mudanças, “está deslocando estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social” (HALL, 2005, p. 7).

Nesse viés, por muito tempo as gravadoras multinacionais (BMG, EMI, Sony Music, Warner, Universal, entre outras) ditaram os rumos da música e estabeleceram sucessos instantâneos nas emissoras de rádio e de TV em esfera mundial. Até por que detinham, devido o alto custo tecnológico e operacional, boa parte do processo fonográfico: gravação, fabricação e distribuição.

Foi o caso, por exemplo, do álbum “Thriller” do cantor Michael Jackson lançado mundialmente em 1982 pela Sony Music. Vendeu rapidamente milhões de cópias e alcançou gigantesco sucesso nas rádios e clips nas TVs, encabeçando por um período “acima do normal” o topo da lista das músicas mais tocadas.

É esta situação que vivenciamos na sociedade atual, resultado das contínuas transformações e articulações. Além do maquinário e da tecnologia à nossa disposição, há cada vez mais um volumoso acúmulo e dissipação instantânea de informações e dados que chegam praticamente em todas as áreas do conhecimento, inclusive na Educação e, consequentemente, no ensino musical. E, nesse contexto, os meios de comunicação assumem, por assim dizer, um papel fundamental, pois intervêm nas relações sociais, nas construções de identidades, influenciando modos de ser, de agir e de pensar.

Comungo com o Educador Musical Keith Swanwick quando nos diz que fazemos parte desse conglomerado e que o “discurso musical, embora inclua um elemento de reflexão cultural”, possibilita a “refração cultural” e nos permite “ver e sentir de novas maneiras”. Para o autor, não “recebemos cultura, meramente. Somos intérpretes culturais”. E essa música “não somente possui um papel na reprodução cultural e afirmação social, mas também potencial para promover o desenvolvimento individual, a renovação cultural, a evolução social, a mudança”. E que a música, como forma de discurso com implicações múltiplas, pode ser um veículo de transformação de um mundo diferente por vir, pois se combina com os demais discursos e estabelece-se como uma ligação “entre os indivíduos e entre diferentes grupos culturais”, podendo ir “além de suas relações com origens locais e limitações de função social” (SWANWICK, 2003, p. 40-45).

Antes de ingressar na escola o educando já dispõe de uma identidade cultural e consequentemente, de uma bagagem musical relevante, dadas as conexões que se estabelecem continuamente com o seu meio e ao longo de suas experiências de vida. Acontece no engajamento familiar, no círculo de amigos, nas práticas sociais, ou mesmo como ouvinte do conglomerado gerado pelos meios de comunicação, que estão cada vez mais presentes devido, sobretudo, à popularização e o consumo de tecnologias que propiciam rapidez na troca de informações e dados.

Diferentes concepções e expressões culturais são assimiladas e identificadas. Outras, todavia, são descartadas instantaneamente. Não que a tecnologia e seus produtos ditem agora os rumos da Educação. Mas eles entram, sim, como mais um elemento a participar da construção do conhecimento e de concepções estéticas. Como negar o rádio, a TV, a internet e os aparelhos digitais incorporados à vida de todos nós, inclusive do educando?


Na escola, por outro lado, este aprendente pode repensar e estruturar um senso musical mais elaborado, contextualizado, direcionado a um propósito específico e relacionado às áreas do conhecimento que o cercam neste ambiente propício.

Através de atividades artístico-pedagógicas na sala de aula, de propostas interdisciplinares, ou mesmo pelo link que se estabelece na troca de informações constantes, isso acaba acontecendo e incidindo diretamente na Educação e na aprendizagem musical. Até porque Educar exige perspectivas de futuro e, sendo assim, o aluno só aprende aquilo em que vê significado e, de algum modo, lhe traz prazer. Constata-se isso ao se observar com frequência crianças e jovens manipulando e interagindo com destreza jogos, aparelhos eletrônicos e equipamentos musicais dos mais diversos tipos, colocados à disposição deles cada vez mais precoce.

O que acontecerá é incerto. Até porque, como nos fala José Miguel Wisnik, não “se sabe o que será triado, no futuro, do grande fluxo da música do século XX. Séculos muito menos convulsionados pela explosão das quantidades, não souberam”. Para o autor, que destaca ainda a universalização musical, o “nosso deslocamento perante a música do século quanto a seu significado futuro não é propriamente novidade” (WISNIK, 1989, p. 204). E para Swanwick, com a manipulação, transmissão eletrônica, processo de gravação e geração de sons, acontecidos cada vez mais rápidos, culminou em “uma abertura de novas possibilidades” (SWANWICK, 1993, p. 25-26).

Isso tudo nos remete a muitos caminhos e, por vezes, traz inquietações: A pós-modernidade que estamos vivenciando será a glória dos mais fortes ou será o fim das “culturas mais fracas”? Ou então levará tudo isso a contínuos cruzamentos, pluralismos ou mesmo a uma homogeneização cultural, talvez pasteurizada, afetando inevitavelmente a Educação? Fazer o quê? Particularmente, qual o novo sentido e novos paradigmas no ensino musical? Resistir, inovar, esperar, atualizar-se, abdicar, sucumbir? São perguntas que ainda não podemos responder. O que não invalida procurarmos, não necessariamente as repostas, mas os significados e direcionamentos que se apresentam hoje, além dos que estão por vir.

Pensar em um ensino de música atualmente é dirigir-se ao real, ou pelo menos tentar, e a partir dele construir e alicerçar-se em uma prática que não seja somente longitudinal, ambígua e inaplicável. E isso não significa, como já disse anteriormente, renegar o acervo cultural construído até o momento. De forma alguma. Mas também não mais se valida compartimentalizar de maneira estanque o saber, fincando-se somente no passado e não participar da construção do (novo) conhecimento que está à volta, de várias formas.


O ensino da música na escola regular possibilita também uma reflexão a respeito do papel desta cultura (musical) na sociedade onde estamos inseridos. E, como já mostrou Murray Schafer, nos invocando para uma escuta consciente, certamente não há como escapar do fato de que, nos dias de hoje, a música torna-se cada vez mais presente. Haja vista as rádios, internet, celulares, aparelhos sonoros que estão à nossa volta corriqueiramente, seja na sala de aula, em casa, no lazer, trabalho, carro, metrô, ônibus ou mesmo em celebrações religiosas (SCHAFER, 1991, passim).

Questionar e procurar entender como a música e as tecnologias da comunicação atuam sobre o educando é uma das preocupações atualmente de muitos educadores e pesquisadores da área musical. Na música e em tudo que está à sua volta é preponderante buscarmos a compreensão das mudanças que já se apresentam e que se estabelecem no nosso dia a dia. O momento que estamos vivenciando requer, pelo menos, um olhar mais crítico por parte de todos os segmentos da sociedade, pois presenciamos rápidas e contínuas transformações, que trazem incontestáveis benefícios, mas também o inverso.

Decerto, o novo e a modernidade amedrontam. Mas, ao mesmo tempo, nos fascinam e nos fazem evoluir. Nessa incessante busca e diálogo, respostas satisfatórias hão de surgir e, em contrapartida, outras provavelmente não poderão ser respondidas, pelo menos de imediato. E isso nos impulsiona à frente, sempre. Não as respostas, mas a certeza de que nos renovaremos, de que estaremos sempre a aprender em uma inesgotável fonte, atingindo patamares até então inimagináveis. O velho não significa obsoleto, mas o novo não pode ser negado, sob pena de se perder e, por ironia, tornar-se obsoleto e inaplicável. Paulo Freire nos fala que é “próprio do pensar certo a disponibilidade ao risco, a aceitação do novo que não pode ser negado ou acolhido só porque é novo, assim como o critério de recusa ao velho não é apenas o cronológico”. O velho mantém sua validade devido a tradição, e continua novo, segundo o autor, por marcar “sua presença no tempo” (FREIRE, 1996, p. 35).



Referências
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 33. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 10. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

HARVEY, David. Espaços de esperança. Tradução: Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Loyola, 2006.

NETTL, Bruno. Heartland excursions: ethnomusicological reflections on schools of music. Urbana: University of Illinois Press. (Cópia processada eletronicamente de trechos selecionados). Tradução de Guilherme Werlang. Rio de Janeiro: Laboratório de Etnomusicologia da UFRJ, 2002.

NEVES, Paulo. Mixagem, o ouvido musical do Brasil. São Paulo: Max Limonad, 1985.

SCHAFER, R. Murray. O ouvido pensante. Tradução de Marisa Trenche de O. Fonterrada, Magda R. Gomes da Silva e Maria Lúcia Pascoal. São Paulo: Fundação UNESP,1991.



Aluno: Roberto Stepheson

3 comentários:

  1. Prof. Ralph,

    Tive problemas para postar o texto no blog. Assim que tiver acesso, faço os acertos necessários.

    Grande abraço,
    Stepheson

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  2. Prof. Ralph, por favor, acesso o blog abaixo para ver o texto completo:

    http://robertostepheson.blogspot.com/2009/12/identidade-cultural-e-musical-na-escola.html

    Grande abraço e bom 2010,
    Stepheson

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