“Na brincadeira afirmamos algo de nossa individualidade construindo identidades pelos papéis que assumimos e pelas regras que seguimos. Somos todos agora jogadores em jogos, alguns ou muitos dos quais são feitos pela mídia. Eles distraem, mas também fornecem um foco. Eles toldam fronteiras, mas de alguma forma ainda as protegem. Pois sabemos, mesmo durante a infância, quando estamos brincando e quando não.” (Silverstone. R-1999)
A brincadeira é uma prática social constituída e que constitui a cultura de um grupo. Para olhar e compreender as atividades pertencentes a esta prática e os espaços onde acontecem, precisamos conhecer um pouco do funcionamento da sociedade onde está inserida.
Segundo Bernardo Sorj (2003), o termo que parece melhor se adequar a estrutura social atual seria Sociedade de consumo de bens tecnológicos. Sociedade esta que vem se constituindo em cima de um grande desenvolvimento tecnológico. Podemos nos perguntar se este grande desenvolvimento tecnológico significou, de certa forma, mudanças na estrutura social, política e econômica, tornando esta sociedade mais justa e igualitária. Com um olhar aprofundado, veremos que muitas mudanças foram efetuadas nas suas formas de produzir, nos bens produzidos, e no valor destes bens, mas, de fato, as estruturas de poder e dominação, de uma elite formada por poucos, vem se perpetuando.
Alguns teóricos apostavam na tecnologia como uma possibilidade de diminuir as diferenças sociais, mas ao que parece, a única coisa que mudou foi o produto de valor no mercado. A elite agora domina os espaços de produção de conhecimento enquanto a massa ficou incumbida dos muitos cargos técnicos, de suporte ou reprodução de informações.
O avanço tecnológico possibilitou os processos de globalização conectando todo o planeta, mas como isso aconteceu de forma desigual, acirrou a dominação, a exploração e a desigualdade pela imposição de modelos econômicos globais que geram pobreza. A importação de hábitos e valores dos grupos dominantes também fragiliza estruturas culturas locais através da negação destas.
Este é um mecanismo que se caracteriza pelo não reconhecimento e aceitação da diferença, encarando, por vezes, que determinadas sociedades estão em estágios evolutivos mais baixos que os nossos e não têm contribuição significativa para o desenvolvimento da humanidade.
Na nossa sociedade ainda prevalece um modelo de educação que privilegia a reprodução e integração ao mundo atual. As Tecnologias de Informação e Comunicação e a mídia veicula muita informação, o que acaba favorecendo uma visão equivocada de que nesta sociedade há uma maior democratização do saber e conseqüentemente uma maior possibilidade de ascensão social. Ledo engano, pois há sim muita informação, mas pouco interesse em cultivar a sabedoria em seu uso. Se acreditamos numa educação para a transformação precisamos rever as políticas relacionadas à organização do currículo, o sistema escolar e as práticas pedagógicas vigentes. Tudo isto deve ser pensado baseado no que se entende por desenvolvimento humano, cidadania e preparação para o trabalho.
A partir do nosso olhar para o vídeo “Brincadeira” , tentaremos abordar alguns dos conceitos que vimos em aula como cultura, identidade, diversidade e cidadania. No primeiro trecho retirado do filme “O ano em que meus pais saíram de férias”, a brincadeira se apresenta como um espaço onde o personagem principal, Mauro, vai formando a sua identidade dentro de fronteiras flexíveis entre o real e o imaginado, entre o ser criança e o ser adulto. É possível refletir sobre a cultura e a formação da identidade social, cultural e individual, a partir dos diferentes papéis que os indivíduos desempenham ao longo do dia ou da vida, relacionando estes, aos espaços, às atividades exercidas e ao valor atribuído a estas. O vídeo começa com o seguinte depoimento do protagonista: “Meu pai disse que no futebol todo mundo pode falhar, menos o goleiro. Eles são jogadores diferentes porque passam a vida ali, sozinhos, esperando o pior”. No quadro seguinte a brincadeira mostra a força de vencer medos e preconceitos no desejo expresso do menino: “Quando crescer quero ser negro e voador (goleiro – jogadores diferentes... que passam a vida esperando o pior)!” Aqui surge uma possibilidade de mudança no que parece simples ato de se colocar no lugar de outro, um outro que em muitos outros espaços sociais é o discriminado e excluído, mesmo que em número sua etnia no Brasil prevaleça sobre a dos brancos.
Ainda no primeiro filme vemos os espaços públicos e privados se interpenetrarem com a possibilidade da mídia (no caso a TV, grande mídia de massa da época) reunir ao seu redor, pessoas de diferentes gerações, etnias e classes sociais.
O momento do gol mostra a possibilidade da experiência sentida, vivida e repartida entre as pessoas a partir da emoção da imagem dos jogadores. Mas, uma das reflexões que o filme suscita é: Em 1970 enquanto milhares de brasileiros estavam de olho na tela, muitas pessoas eram presas e torturadas pelo regime militar… Aqui voltamos à importância da contextualização e a caracterização das mídias com relação a quem produz, o que produz, como produz, por que produz e onde, como e quando veicula?
A seguir temos um trecho retirado do Filme “Os filhos do falcão”. Nossa reflexão apóia-se no que nos diz Hall(1997):
“Os artefatos da cultura são interpelativos, eles nos instigam a ser da forma como dizem que somos”.
“Quem tem o poder de definir o controle dos processos de produção simbólica e discursiva impõe significados, definições e identidades.” ( “ppt do Ralph)
O espaço da brincadeira é um lugar seguro onde as crianças, enquanto brincam elaboram a realidade em que vivem e, ao mesmo tempo, reproduzem comportamentos sociais e a própria realidade. No filme são mostradas crianças e adolescentes que crescem a margem dos direitos das crianças/direitos humanos, da lei e das regras de convívio social. Crianças as quais, desde cedo, vem sendo negado, por negligência do poder público, o acesso a uma educação para a cidadania que possibilite a elas desenvolverem e tornarem-se elementos transformadores do meio em que vivem. Pensando nisto, nos vem a pergunta: Estas crianças freqüentam escola? Se freqüentam, como será esta escola? Se há uma realidade que necessita ser transformada é esta abordada no filme. Então é necessário que a Instituição escolar adote o trabalho numa perspectiva multiculturalista(Isto é, que organize o seu currículo e as práticas pedagógicas decorrentes deste, de forma a integrar a realidade, costumes e saberes dos seus alunos) cortando ciclo da reprodução do fracasso escolar que alimenta a realidade já experienciada fora da escola: A experiência da exclusão.
“Nossa identidade é parcialmente formada pelo reconhecimento ou a ausência dele, freqüentemente pelo não reconhecimento dos outros. Assim uma pessoa ou grupo de pessoas pode sofrer um dano ou uma distorção real, se as pessoas ou a sociedade espelham neles um quadro desprezível de confinamento ou rebaixamento.
O não reconhecimento ou o reconhecimento falso pode ser prejudicial, pode ser uma forma de opressão. Aprisionando alguém em um falso, distorcido e reduzido modo de ser.” (C. Taylor, 1994: 25)
Há uma parte neste vídeo que as crianças se referem a personagens de uma novela da Rede Globo em cartaz na época. Nesta passagem percebemos o elo que a linguagem audiovisual estabelece com o telespectador, promovendo neste, identificação com determinados aspectos objetivos ou subjetivos da vida de determinados personagens.
O cantor Mv Bill chama atenção quando fala sobre a brincadeira deles ser tão real que parece verdade. Que fronteira é essa que a brincadeira de imitação proporciona?
A seguir, na entrevista Victor transmite-nos um pouco da experiência propiciada pelo game GTA. O jogo possibilita diferentes maneiras de tornar-se um bandido, roubando, matando, etc. O entrevistado lembra-nos o que Silverstone chama de espaço do “como se”. Ele diz: “É como se você tivesse em Nova Iorque!” E percebemos que neste espaço a experiência é essencial para entender, elaborar e transformar a realidade.
Victor termina a entrevista dizendo achar que o game pouco influencia, como aspecto isolado, no comportamento dos jogadores, mas timidamente completa: “... Apesar dele ter defeitos ( como violência, bater) ditos errados na nossa sociedade”. O texto do Boaventura de Sousa Santos “Por uma concepção multicultural de direitos humanos” é permeado de interrogações sobre o certo e o errado para cada sociedade. Então penso que Victor se expressou muito bem quando afirmou… “ditos errados na nossa sociedade!”
“Na brincadeira temos licença para explorar a nós mesmos e a nossa sociedade.”
(Silverstone. R. 1999)
“Na brincadeira investigamos a cultura, mas também a criamos.” (Silverstone. R. 1999)
Os diversos dispositivos tecnológicos tem possibilitado aos indivíduos a experiência do brincar em espaços midiáticos diferenciados. A brincadeira nos possibilita experimentar desejos e sensações que a realidade, por vezes, limita.
No brincar não somos expectadores passivos, a experiência do brincar provoca transformações nos jogadores. Todos os espaços de brincadeira podem proporcionar reflexões sobre o que eu sou e ou o que quero ser. Estas experiências vão nos constituindo como sujeitos, mas sem determinismos, pois se estamos sujeitos a novas vivências também estamos em constante transformação.
Na brincadeira aspectos transculturais (que perpassam todas as culturas) une os participantes pelo reconhecimento do que nos faz humanos e pela aceitação da diversidade cultural. Como educadores precisamos pensar por que utilizamos tão pouco a brincadeira como estratégia pedagógica na escola.
Maria Lúcia Calderon e Denise Mello
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